domingo, 14 de março de 2010

Vendaval.

Nas páginas anteriormente brancas dos livros inúteis,
Nas velhas caixas de recordações de jovens sentimentais,
No tronco apunhalado da árvore centenária do jardim,
Nas últimas folhas dos jornais locais que ninguém lê,
Letras em cadência de verso denunciam a sua EXISTÊNCIA.

Em letras pequenas
Do tamanho do amor, da esperança, da saudade,
Versos anunciam que uma pequena alcateia de mulheres e homens,
Guiados por corações sem rédeas,
Escreveu sentimentos proibidos
Em horas de solidão
Inventando uma SUBVERSÃO a que chamam poesia.

Uma ALCATÉIA de mulheres e homens livres,
Com fome e sede de infinito,
Soube dar vida a letras esquecidas.
Basta-lhes um sonho.
A noite.
A paixão.
A beleza de um olhar reluzente.

Armados com caneta e papel,
Camuflados com um olhar humilde
Que disfarça uma insuportável dignidade,
Mulheres e homens inundam a terra árida do mundo,
Com palavras VICIOSAS sob a forma de poemas.

É URGENTE travá-los antes da contaminação coletiva,
Antes que a epidemia se espalhe
E a poesia se torne numa doença universal.
Justificam-se medidas drásticas.
O presidente que decrete o estado de sítio.
Alerta vermelho!
Mobilização geral!
Chame-se o exercito, a marinha,
Ordene-se que os navios de guerra estejam a postos,
Os aviões devem carregar mísseis e voar imediatamente,
As forças de segurança devem procurar cidade-a-cidade,
Vasculhar bairro-a-bairro,
Revistar casa-a-casa.

Sem esquecer as escolas, os cafés, os jardins?
Existem PENAS exemplares para quem não denunciar os criminosos,
A situação assim o exige.

Está em causa o FUTURO da Humanidade.
O futuro do sistema social que construímos,
O futuro dos desenvolvimentos científicos e tecnológicos,
O futuro das nossas vidas conquistadas com suor e trabalho.
Não se deixem vencer pelo cansaço:
Encontrem-nos!

Só quando conseguirmos eliminá-los poderemos viver em paz.
Num qualquer local desconhecido,
Mulheres e homens perigosos ESCREVEM poemas.
Descurando as suas tarefas sociais,
Semeiam no mundo hieróglifos compadecidos.
É imprescindível intensificar as buscas.
E ao encontrarem esses infames
Esgrimindo verso após verso de caneta em riste,
Não hesitem:
Disparem!

Mesmo que seja amigo de infância: Disparem!
Colega de escola: Disparem!
Partilhou convosco a mesma carteira: Disparem!
Ofereceu-vos da sua comida quando tinham fome: Disparem!
É possível que sintam uma compaixão tolerante
Quando os descobrirem indefesos perante a vossa espingarda.
Não se deixem comover:
Apertem o gatilho e calem-nos para SEMPRE!
Para BEM do mundo,
Procurem a alcateia de mulheres e homens que inventaram a poesia.
É preciso encontrá-los antes que seja tarde...

Gonçalo Nuno Martins

5 comentários:

Canteiro Pessoal disse...

Paula, que foto de entrada!

Priscila Cáliga

Por Ele. disse...

Servir ao mundo, essa é a porta!

B disse...

Encontro-me maravilhada com a força que isto tem!
E cada vez que leio ( pois o estou fazendo mais de uma vez ), a figura, a letra, me passam coisas diferentes mas todas intensas.

B disse...

Ué...cadê o comentário?
Fiquei tão maravilhada que de repente, foi-se ele com a mágica da letra e do figurado...

Por Ele. disse...

"É URGENTE travá-los antes da contaminação coletiva." >> kkkkkk

Depende realmente de quem esta - vulnerável - com coração aberto... Constatação!